Ao ver nosso carro arrombado, saindo do hospital onde
acompanhava minha filha que não estava passando bem, quase explodi, de raiva,
de desalento, de revolta. A princípio quis me culpar por ter deixado o carro na
rua, mas havia mais de uma centena de carros no entorno e eu não podia esperar
que isso viesse a acontecer, além de que o hospital não possui local adequado
para o público deixar seus veículos e o estacionamento privado existente nas
imediações está sempre lotado. Mas logo me recobrei e me eximi da culpa. Sim,
porque o bandido era outro, era o cara que teve a ousadia de quebrar o vidro da
porta e furtar o que lhe convinha. Então, a raiva cresceu e fiquei imaginando a
cara do sujeito, a sua total falta de escrúpulo, e o quanto ele merecia ser
punido por se apossar do que não lhe pertence.
Desse bandido, a minha atenção mental se voltou para
o outro delinqüente, tão criminoso quanto aquele, que é o receptador. E fiquei
imaginando a cara dele, a sua total falta de escrúpulo, e o quanto ele merecia
ser punido por adquirir mercadoria roubada.
E então, me revoltei mais ainda, o que de pouco
adianta porque faço parte de uma massa cuja voz soa fraca, uma massa que é
vítima impotente num país onde reina a impunidade e onde os valores perderam
seu valor.
Eu sou do tipo que não compra nem CD/DVD pirata para
não estimular a pirataria. Os princípios que aprendi com meus pais repassei
para meus filhos. Vejo muitos assim como eu e acho que formamos uma corrente do
bem, que paga o pato pela falta de princípios dos outros e que padece pela
precária justiça humana.
É claro que já refleti que o episódio do arrombamento
poderia ter envolvido um susto maior, uma arma, sangue e, quem sabe, uma
tragédia. E agradeço a Deus pelos danos terem sido puramente materiais. O que
não me impede de erguer a voz pedindo punição rigorosa para os ladrões, um
passo importante para resgatar os valores éticos. Valores que distinguem os
homens dos animais.