segunda-feira, 9 de julho de 2012

É de nascença!



A mulher alisava a mancha escura situada na extremidade da face esquerda, no pé do cabelo na região da costeleta.
– Tem dias em que a coceira é insuportável – falou, expondo, para quem quisesse ver a nódoa, segundo ela de nascença – minha mãe passou vontade de comer ameixa na minha gravidez – explicou – e eu nasci assim, com a marca da vontade dela.
As garotas em volta riram, menos uma, a que estava grávida e que a partir de então passou a viver obcecada, com medo de imprimir na pele do filhote que carregava no ventre a mancha de suas vontades, que eram tantas e as mais extravagantes possíveis.
Ainda naquele dia amanhecera com desejo de comer abacate. Mal o formulou e já chegava o marido carregando uma meia dúzia de abacates que tratou de ir logo servindo – com leite, querida? Não quero que nosso filho venha ao mundo com cara de abacate – ele falou, antes de dar uma sonora gargalhada.
Assim que chegou em casa falou ao companheiro que essa coisa de gestante passar vontade era coisa séria e que tinha visto uma prova disso na cara de uma mulher que carregava uma mancha por conta do desejo da mãe de comer ameixa. Aos prantos, disse que estava morrendo de medo do filho sair com cara de fruta. Ele riu e a tranquilizou de que tudo não passava de superstição popular.
Pois quanto mais ela refletia sobre o acontecido, mais vontades lhe eram despertadas. Tanto que o marido – coitado! – vivia correndo atrás de atender seus desejos que não se restringiam mais ao campo das frutíferas. Além de carambola, pêssego e uva, a futura mamãe incrementou seus pedidos: chocolate, torta de morango, sorvete de tamarindo – não pode ser de maracujá? –, risoto de camarão, leitão à pururuca.
  Num domingo de setembro, a futura mamãe anunciou ao futuro papai que desejava ardentemente comer rã. E à provençal. – Rã? Onde vou encontrar rã? Se você quiser saber, mamãe faz um frango à provençal que é um luxo! – ele insistiu, alegando, inclusive, que o sabor da rã é muito parecido com o do frango.
Mas ela não queria saber nem de frango nem de nada que não fosse rã.
E o pobre marido saiu em busca de satisfazer o desejo da mulher. Porém, todas as suas tentativas foram em vão. Não havia carne de rã disponível no mercado. Havia carne de jacaré.
– Jacaré tem gosto de peixe! – ele ponderou ao vendedor.
– Mas tem a consistência do frango e se temperar bem, não dá para perceber – considerou o astuto vendedor.
Vencido, ele comprou uma generosa porção de jacaré e levou para sua mãe preparar como se fosse rã. O prato ficou delicioso e a gravidazinha, satisfeita.
  Quando o bebê nasceu, uma menininha de narizinho arrebitado tal qual a mãe, o pai foi o primeiro a ver o desenho feito uma tatuagem na panturrilha da filha. Assombrado, ele constatou que o desenho retratava uma gorda e vistosa rã.


2 comentários:

  1. Já ouvi muita estória de grávida com desejo. Ainda bem que a minha Amélia não teve essas vontades.

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