domingo, 22 de julho de 2012

A preço de banana




Uma propaganda me surpreendeu logo cedo: “duas pós-graduação pelo preço de uma”.
É de fato surpreendente, pois até bem pouco tempo cursar uma faculdade era coisa para poucos; uma pós-graduação, então, era para mais poucos ainda.
Hoje, as ofertas de cursos se multiplicam e os preços e condições de pagamento permitem a qualquer cidadão comum tirar seu diploma de curso superior. E fazer sua pós-graduação. Com isso, ampliou-se o acesso, então tão restrito, ao terceiro grau. O que, por um lado, é louvável, pois a educação não precisa e nem deve ser restrita a uma elite. Mas, por outro, é lamentável, pois a base do ensino, a escola fundamental, continua a produzir estudantes que mal sabem ler e escrever. Estudantes que não conseguem fazer uma simples redação e que – eu me pergunto – como são capazes de apresentar uma monografia ou defender uma tese? (Mais estranho ainda: como conseguem aprovação para levar o certificado para casa?).
O resultado disso a gente vê no mercado de trabalho, com levas de graduados e pós-graduados trabalhando em áreas para as quais se exige quando muito o segundo grau. São pessoas que, embora habilitadas por um certificado, são incapazes de corresponder com tarefas que lhes exijam um pouco mais de raciocínio, ou de conhecimento, ou de redação, ou mesmo o conteúdo do curso que cursaram.
Não basta escancarar as portas do ensino de grau superior. É preciso melhorar o ensino que vem antes. Porque vender cursos a preço e como se fosse banana só é bom para encher os cofres de quem os realiza. E para quem não pretende nada mais do que expor o diploma na parede. 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

É de nascença!



A mulher alisava a mancha escura situada na extremidade da face esquerda, no pé do cabelo na região da costeleta.
– Tem dias em que a coceira é insuportável – falou, expondo, para quem quisesse ver a nódoa, segundo ela de nascença – minha mãe passou vontade de comer ameixa na minha gravidez – explicou – e eu nasci assim, com a marca da vontade dela.
As garotas em volta riram, menos uma, a que estava grávida e que a partir de então passou a viver obcecada, com medo de imprimir na pele do filhote que carregava no ventre a mancha de suas vontades, que eram tantas e as mais extravagantes possíveis.
Ainda naquele dia amanhecera com desejo de comer abacate. Mal o formulou e já chegava o marido carregando uma meia dúzia de abacates que tratou de ir logo servindo – com leite, querida? Não quero que nosso filho venha ao mundo com cara de abacate – ele falou, antes de dar uma sonora gargalhada.
Assim que chegou em casa falou ao companheiro que essa coisa de gestante passar vontade era coisa séria e que tinha visto uma prova disso na cara de uma mulher que carregava uma mancha por conta do desejo da mãe de comer ameixa. Aos prantos, disse que estava morrendo de medo do filho sair com cara de fruta. Ele riu e a tranquilizou de que tudo não passava de superstição popular.
Pois quanto mais ela refletia sobre o acontecido, mais vontades lhe eram despertadas. Tanto que o marido – coitado! – vivia correndo atrás de atender seus desejos que não se restringiam mais ao campo das frutíferas. Além de carambola, pêssego e uva, a futura mamãe incrementou seus pedidos: chocolate, torta de morango, sorvete de tamarindo – não pode ser de maracujá? –, risoto de camarão, leitão à pururuca.
  Num domingo de setembro, a futura mamãe anunciou ao futuro papai que desejava ardentemente comer rã. E à provençal. – Rã? Onde vou encontrar rã? Se você quiser saber, mamãe faz um frango à provençal que é um luxo! – ele insistiu, alegando, inclusive, que o sabor da rã é muito parecido com o do frango.
Mas ela não queria saber nem de frango nem de nada que não fosse rã.
E o pobre marido saiu em busca de satisfazer o desejo da mulher. Porém, todas as suas tentativas foram em vão. Não havia carne de rã disponível no mercado. Havia carne de jacaré.
– Jacaré tem gosto de peixe! – ele ponderou ao vendedor.
– Mas tem a consistência do frango e se temperar bem, não dá para perceber – considerou o astuto vendedor.
Vencido, ele comprou uma generosa porção de jacaré e levou para sua mãe preparar como se fosse rã. O prato ficou delicioso e a gravidazinha, satisfeita.
  Quando o bebê nasceu, uma menininha de narizinho arrebitado tal qual a mãe, o pai foi o primeiro a ver o desenho feito uma tatuagem na panturrilha da filha. Assombrado, ele constatou que o desenho retratava uma gorda e vistosa rã.


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Farofa de banana



(Escrevi esta crônica, fictícia, durante o curso de Leitura e Escrita Literária -  A Crônica de Cada Um, promovido pelo SESC e tendo como professor o excelente Luiz Percival Leme Britto)

Para minha surpresa, já que não sou dada a muita frescura com essa coisa de comida, acordei com uma vontade medonha de comer farofa de banana. Nem farofa de ovo, nem farofa de bacon, nem farofa de couve, nem farofa de coisa nenhuma. Farofa de banana. Simplesmente!
Ainda de camisola e andando pela casa enquanto tomava a minha primeira xícara de café, fui espalhando a notícia para toda a família:
– Vou morrer se não comer farofa de banana! – exagerei.
– Ih mãe! sem essa de farofa, eu tô a fim é de uma bela porção de peixe frito! De Pintado, de preferência!
– Quem faz uma farofa de banana muito boa é a Dona Eulália – falou Janete, a nossa empregada, já tirando o corpo fora.
Dona Eulália é a vizinha de frente e pedi, então, a Janete que fosse até a casa dela fazer a encomenda. Janete não tardou com a resposta:
– O filho dela disse que ela foi pra Livramento e só volta na semana que vem. “Agora quãndo!, mamãe tá de catcho com um pau rodado e só quer saber de dançar rasqueado lá pras bandas de Poconé”, ela falou, imitando o rapaz, e nos fazendo rir.
Me servi de mais uma xícara de café, liguei o computador e fui pesquisar no Google uma receita de farofa de banana. Encontrei mil. Ou mais. Mas nenhuma delas me convenceu a ir perder meu tempo na cozinha. Eu não combino – nunca combinei – com fogão. Nem com nada que tenha a ver com cozinhar. Esse é um verbo que eu não gosto de conjugar. Pelo menos não na 1ª pessoa.
Mas a bandida da farofa não saía do meu pensamento. E nem das minhas narinas. Tudo cheirava à farofa de banana. O sabonete, a colônia e mesmo o chimarrão que Janete me alcançou, junto com uma ideia que ela disse que teve “assim, num estalo”:
– Sabe a mãe do meu namorado? (Eu nem sabia que ela tinha namorado). O nome dela é Rita e ela é cozinheira de mão cheia. Faz uma comida que é daqui ó! (E sacudiu o lóbulo da orelha) Pois, então, acho que ela topa fazer uma farofinha pra senhora.
Fizemos uma roda em torno de Janete enquanto ela conversava, pelo telefone, com a tal Rita.
– Sei... comprar ingredientes de primeira. O quê? A farinha de mandioca tem que buscar em Santo Antônio do Leverger? Não? Ah, entendi! é pra comprar farinha na Praça da Mandioca, que vem direto de Santo Antonio do Leverger. Sei...
A um sinal dela, minha filha pegou um bloquinho e foi anotando...
– Como é que é? A banana tem que estar bem no ponto? Ponto de quê? Sei... Entendi!  Ponto de fazer a farofa!
E enquanto nora e sogra trocavam algumas considerações sobre o namorado/filho, peguei a bolsa, as chaves do carro, e me mandei às compras.
Felizmente, o trânsito ajudou e consegui comprar os ingredientes em pouco tempo e bem a tempo de entregar o carro ao mecânico, que fora buscá-lo, como combinado, na porta de casa, para uma revisão.
Um pouco mais tarde, enquanto lia um artigo no jornal, Janete avisou:
– Rita chegou e já se instalou na cozinha. Onde, mesmo, estão os ingredientes da farofa?
– Os ingredientes da farofa? – Demorei um pouco para me sintonizar. – Ora, a farinha, a banana e tudo o mais estão ... Estão no carro. No carro que está na oficina!
Uma hora depois, estávamos todos – inclusive a Rita – no restaurante mais cuiabano de Cuiabá.
Fui a primeira a correr o buffet generoso. Um pouco disso, um pouco daquilo e quando vi, tinha construído uma montanha sobre o prato. Janete, que vinha logo atrás de mim, me alertou:
– A senhora esqueceu de servir a farofa de banana!
E eu:
– Farofa de banana? E quem, lá, quer farofa de banana com tanta coisa gostosa para comer, como esse divino Pintado frito e esse pirão de encher a boca d’água?