domingo, 29 de novembro de 2009

Pai é pai tanto quanto mãe é mãe


Conversando sobre o abandono de filhos por parte dos pais, minha filha fez um comentário que achei interessante reproduzir aqui: “as pessoas acham um absurdo quando uma mãe abandona o filho, mas quando se trata do pai, parece que é normal”. Eu falei que isso por certo se devia ao fato de que é muito comum os pais abrirem mão dos filhos, deixando-os ao encargo das mães. Com o que ela não concordou: “nada, isso é preconceito mesmo!”.

Fiquei pensando a respeito e concluí que é mesmo verdade. Sempre que a mídia expõe uma notícia em que uma mãe abandona uma criança, a consternação é geral. O mundo inteiro “cai de pau” em cima da mulher. E sobre o homem, nada? Não deveria ter um pai também na história? Ah, isso parece não fazer diferença nenhuma. É como se os nenês fossem responsabilidade só da mãe.

É mesmo impressionante como os homens se safam bonito desse compromisso. Muitas vezes sob aplausos das próprias mães, irmãs, tias, namoradas. Você duvida? Pois saiba que eu já perdi a conta do tanto de mulheres que já vi atormentar maridos, filhos ou namorados para reduzir a atenção ou mesmo cortar os laços com seus rebentos de outros relacionamentos. Não pagar a pensão, atualmente está fora de cogitação porque, felizmente, a lei está sendo cumprida à risca. Mas já foi motivo de muita rixa.

O que precisa mudar é a cabeça das pessoas no sentido de que um filho é fruto de dois. De dois irresponsáveis, se for o caso. Mesmo que se trate de uma prostituta, de uma mulher que usa roupa curta ou de alguém que sai com homens casados. Não importa, sempre tem um homem na outra ponta. E a ele cabe responder na mesma medida. Não é?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Os buracos e a corrupção


Dirigindo a noite em uma avenida por onde circulam diariamente milhares de veículos, um dos buracos me pegou desprevenida e... – Foi-se o pneu - gritei, – emendando um palavrão. Felizmente, há poucos dias comprei um pneu novo para substituir, junto com o estepe ainda zerado, os pneus da frente do carro, deixando dois velhos na traseira, conforme receitinha antiga passada pelos mais entendidos. Pois bem, não fossem meus pneus novos, decerto que me juntaria aos três motoristas (isso mesmo, três!) que trocavam os seus naquele trajeto, sob a fraca iluminação da rua e os borrifos de lama pós-chuva que cobria o asfalto. – Droga – cuspi outro palavrão – o período das chuvas mal começou por aqui e as ruas já estão virando queijo suíço. Vai ser duro chegar ao final da temporada.

Só que os buracos das ruas não são culpa da chuva, não. Eles são resultado dessa corrupção bandida a que o país se habituou a conviver e que se interpõe entre a verba real e a obra propriamente dita. E que deixa nesse trajeto o maior quinhão, restando para a execução do projeto apenas uma quirelinha do dinheiro. O asfalto bom e resistente que a gente merece e deveria reivindicar – não fôssemos um bando de otários que assiste passivamente a essa sem-vergonhice – fica restrito ao papel e serve de base apenas para levantar os recursos. A obra mesmo fica só na capinha.

Não é diferente com a saúde, com a educação, com a segurança, áreas tão esburacadas quanto o asfalto das ruas. E tudo por conta de sermos um país que aceita manter essa corja de corruptos, sorvendo, tal qual abelha no mel, e se empanturrando com os frutos da corrupção. Um país que tem, na outra ponta, uma legião de expectadores, um bando de frouxos, cujo poder de mudar depende apenas e tão somente de acordar.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A deselegante indiscrição alheia



Por duas vezes, hoje, me perguntaram se eu era mãe de uma pessoa que tem em torno de 40 anos. Para isso ser real, eu, que tive minha primeira filha aos 24, teria que ter parido aos 12.
Eu realmente ganhei idade na aparência por conta do cigarro. Foram 30 anos envelhecendo a pele com as centenas de baforadas todos os dias. Mesmo assim, não seria para tanto.

Mas o interessante na história é observar como as pessoas, de modo geral, são deselegantes. Ou enxeridas. Ou bisbilhoteiras. Ou sei lá que adjetivo lhes atribuir. O que lhes importa saber quem é quem vindo de pessoas com as quais não têm nenhuma intimidade?
A pergunta, normalmente, vem assim, de pronto: “é sua mãe? É seu filho? É sua esposa?”. E a resposta, com frequência, provoca constrangimento. “Não, é minha irmã, é meu marido, é minha filha”.

Tenho uma amiga que é morena e o filho, branco. Sempre que saíam, ela com o bebê no colo, as pessoas não tinham nenhum embaraço em perguntar se ela era a babá do nenê. Ou, então, disparavam: “o pai que é branco?”. Tem outra que namora um homem mais jovem e os abelhudos não perdoam: “é seu filho?”.

A indiscrição é uma coisa muito feia e denota falta de educação. Mas eu acho que na nossa sociedade vai um pouco além disso. As pessoas são, por natureza, interessadas demais na vida dos outros. Tanto é que as revistas, os programas de fofoca fazem um tremendo sucesso.
Mas, sempre é bom saber que a gente também pode revidar tanto interesse alheio com uma perguntinha bem simples: “isso é da sua conta?”. Ou, quem sabe, desconcertando um pouquinho mais: “pra que você quer saber?”. Afinal, dizem que nada melhor para combater cara de pau do que uma bela e descarada cara de pau.

domingo, 20 de setembro de 2009

A torneira


Esta semana tive que substituir a torneira da cozinha aqui de casa que estava vazando. Depois de vários consertos e de trocar a borrachinha não sei quantas vezes, não teve outro jeito senão comprar uma torneira nova. Muito bem, depois de feito o serviço que eu, obviamente, não dei conta de fazer – não sou muito chegada a esse tipo de tarefa – peguei a torneira velha e coloquei na calçada da frente de casa, encostadinha na árvore. Costumo fazer isso com as coisas que deixam de ter serventia para mim. Já fiz isso com calçado, panela, travesseiro, aparelho de telefone, ventilador e tantas coisas que perdem sua função ou simplesmente são substituídas por outras mais novas. É incrível, mas é só o tempo de largar os objetos, entrar em casa e voltar pouco tempo depois, e já não resta mais nada; alguém já passou e os recolheu e, com certeza, vai fazer uso deles. Embora a boa intenção, não consigo deixar de achar isso triste. Me dói o coração constatar essa realidade dura de que tem uma parcela da população que vive de restos. Vive do que não nos serve mais. Vive do que nós jogamos fora. E, não sei como, vive de fazer funcionar coisas que não funcionam mais, como a minha torneira, que não demorou nem dez minutos para sumir de debaixo da árvore. E provavelmente está tendo utilidade em alguma cozinha por aí.

domingo, 30 de agosto de 2009

A vitória de parar de fumar


Tem quase cinco anos que eu parei de fumar. Sem dúvida, foi uma das coisas mais difíceis que eu fiz na vida. Já ouvi algumas pessoas dizerem que para elas foi fácil; um dia resolveram parar e... pronto. Comigo as coisas não foram tão simples assim. O primeiro ano foi o pior. A vontade de fumar vinha todos os dias, todas as noites, todas as horas. Depois, foi amenizando. Três anos depois, eu ainda acariciava uma carteira de Carlton com saudade.

Imagino que todo mundo lembra a data que parou de fumar. Eu lembro até a hora. Era meia noite do dia 31 de dezembro. Sim, foi uma resolução de Ano Novo. Fumei até a meia noite e, então, parei. Definitivamente. Até então, como todo bom fumante, eu já tinha feito mais de cem tentativas de parar. Todas frustradas. E a cara deslavada de enfrentar as pessoas depois de ter anunciado pra todo mundo que ia largar o cigarro? Aliás, isso é típico dos fumantes. A falta de dignidade.

Eu também tentei a estratégia de reduzir o número de cigarros fumados por dia. Começava a contagem regressiva: 17, 16, 15, 14, 13, 12. Jamais ultrapassei o número 12. Ao contrário, sempre que chegava nele, a contagem retrocedia: 35, 36, 37... Qualquer coisa servia de pretexto para voltar a fumar no ritmo de antes. Mas, um dia eu consegui a determinação que eu precisava. Aliás, determinação é a palavra chave. Não existe outra. E, no meu caso, ela foi motivada quando eu percebi que o valor que estava dando ao cigarro era demasiado. Havia coisas muito mais valiosas como a vez em que, depois de ter conseguido ficar três dias sem fumar, a minha filha me deu um abraço seguido de uma observação que ficou martelando na minha cabeça: “mãe, como você está cheirosa!”. Decerto que eu vivia fedendo. Em outra ocasião, eu, que adoro dançar, tive que parar na metade de um vanerão, por falta de fôlego.

Dizem que todo ex-fumante é um chato. Eu procuro não ser. Mas, às vezes, eu não consigo resistir e me meto a aconselhar, principalmente os mais jovens, a parar de fumar, porque o cigarro não vale a pena. Invariavelmente, a resposta é a mesma: “eu paro quando eu quiser”. Eu também parei quando eu quis. Depois de quase trinta anos de um estrago irreparável na minha pele, que me faz aparentar uns dez anos mais velha; no meu pulmão, recheado de fuligem; na minha energia, que bloqueia o meu esforço físico; e, ainda, na convivência com minha família, com meus amigos, que muitas vezes eu sacrifiquei por conta de fumar um cigarrinho.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Da minha janela


Daqui mais uns dias, estarei fazendo 52 anos. É uma vivência de mais de meio século. Como se diz por aí, já virei a curva e andei mais um pouco. Nem por isso me sinto velha, ao contrário, às vezes me vejo até um pouco menina, experimentando coisas novas, fazendo projetos, cometendo erros bobos e, principalmente, mantendo o coração cheio de expectativas. Mas, que o tempo passou, isso lá passou. E como passou. E como a vida da gente mudou.

Da minha janela, nesses cinquenta e poucos anos, vi o mundo evoluir assustadoramente. Quando eu tinha 15, 16 anos, ouvíamos música em torno de um aparelhinho portátil cujo nome resumia sua única função: toca-discos. Na televisão, imagens em preto e branco divertiam uma platéia que se acotovelava nas salas das poucas famílias que podiam dispor de um aparelho de TV. A comunicação entre as pessoas era feita quase que exclusivamente através de cartas. O telefone era um meio restrito e quem possuía um, não raramente tinha que emprestá-lo para uso da vizinhança inteira.

Os jovens, com certeza estranhariam a vida funcionando nesse ritmo. Da mesma forma, pessoas da minha geração têm dificuldades para acompanhar a mudança que se operou ao longo desse tempo. Muitos se recusam a fazer uso das novas tecnologias. De minha parte, estou muito feliz digitando aqui no meu computador e, ao mesmo tempo, conversando com meus amigos e familiares em tempo real, enviando e recebendo imagens, ouvindo música e podendo apagar e reescrever o meu texto quantas vezes for necessário. Na minha Olivetti portátil jamais eu conseguiria isso.

domingo, 14 de junho de 2009

Com a alma lavada


Quantos de nós já não se perguntaram se vale a pena seguir trilhando o caminho certo, mantendo valores como a honestidade, o respeito, a generosidade, a responsabilidade e a integridade? Quantos de nós já não se viram humilhados por serem íntegros, já não sentiram vergonha de serem honestos, já não se viram cansados de perseguir valores que parecem em extinção? Quantos de nós já não tiveram vontade de romper com isso tudo e enveredar por outra trilha? Respondendo por mim, posso garantir que por muitas ocasiões me deparei com esse dilema. E não fosse esses valores estarem profundamente enraizados, talvez já tivesse cedido ao apelo para mudar o rumo. Portanto, foi com muita euforia – e até um pouco de alívio - que me deparei nesta semana com um artigo do consultor Luiz Marins em que ele aborda justamente isso: “um dos maiores desafios das pessoas que desejam pautar sua vida pela retidão, pela honestidade, pela lealdade, é encontrar a motivação para se manter no caminho certo. O aparente sucesso e a falsa felicidade das pessoas de valores morais e éticos duvidosos, muitas vezes faz com que as pessoas de bem questionem o valor de sua opção pela retidão, pela honestidade, pelos bons princípios”. Como pessoa de bem, é exatamente assim que me vejo. O professor Marins conseguiu exprimir isso muito bem e seu pensamento vem acrescido de um conforto que serve para todos nós que queremos nos manter no caminho certo: “é preciso acreditar que o sucesso e a felicidade dessas pessoas são apenas aparentes. Elas sabem o inferno em que vivem, se escondendo das pessoas de bem e eternamente amedrontadas de serem um dia descobertas em suas desonestidades. São pessoas sem paz de espírito com aparência de seguras e felizes. Podem ter muitos bens materiais, mas só elas sabem como essa riqueza foi conseguida e essa verdade não as deixa em paz”. A receita vem logo em seguida: “para se manter no barco da retidão é preciso alimentar o espírito e a mente com constância e perseverança. É preciso acreditar em algo superior. É preciso ser forte. Assim, veja com quem anda, com quem conversa, o que lê, onde vai. Para se manter no rumo certo, é preciso pegar o caminho do bem”. Estou revigorada! E com a alma lavada!

Para ver o artigo completo, clique aqui.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Valores Invertidos


Estampada sobre uma foto na capa do jornal, a chamada Adolescente morre com 4 tiros nas costas. E a legenda completa: Menor de 15 anos não teve chance após assalto. E a gente já fica imaginando a tragédia: “será que ele reagiu? Será que ele foi defender alguém?”. Só que, ao ler a matéria, somos informados de que o adolescente é o próprio assaltante. Ele e outros três jovens assaltavam um mercado, cujo dono reagiu e atirou, atingindo o garoto. O jornal chama a isso de execução. Afinal, o “anjinho” usava uma arma de brinquedo. A mãe do rapaz, ouvida pelo jornal, diz que essa foi a quarta vez em que ele se envolveu em um assalto. Mas, o jornal insiste em maquiar o episódio, tanto que identifica o dono do mercado como “vulgo” fulano. Do meu ponto de observação, como profissional, como mãe, como membro da comunidade e, principalmente, como ser humano, vejo o episódio com muita tristeza. E, na minha concepção, nada explica essa postura de um veículo de comunicação senão a inversão de valores tão comum nos dias atuais, que transforma bandidos em coitadinhos e suas vítimas em algozes. Uma realidade que coloca em dúvida valores de uma vida inteira, valores que nos foram transmitidos por pais zelosos e que hoje temos medo de assumir publicamente para não sermos taxados de trouxas. Sim, porque ser honesto no Brasil está ficando cada dia mais demodé.

domingo, 5 de abril de 2009

Ah... os ovinhos de páscoa!


        Uma das melhores lembranças que tenho da infância é de quando via minha mãe, já tarde da noite, preparando o amendoim para rechear os ovos de galinha coloridos que iam encher as nossas cestas de páscoa.
 Os ovos começavam a ser guardados muito tempo antes, a cada omelete, bolo ou pudim que era feito em casa. Quebrava-se o ovo em uma das extremidades, com o cuidado de deixar o furo com o menor tamanho possível, suficiente apenas para retirar lá de dentro a gema e a clara. As casquinhas iam sendo guardadas em uma cesta e depois eram tingidas com papel de seda colorido. No sábado à noite, eram recheadas com a tradicional carapinha, uma mistura feita com amendoim, açúcar e água, e tampadas com papel colorido. Então, eram colocadas nas cestinhas, caixas de papelão recobertas de franjas feitas de papel de seda, e escondidas para serem procuradas no domingo de páscoa.
A gente demorava a descobrir que não era o coelhinho da páscoa que escondia a cesta.
Durante algum tempo mantive essa tradição em minha casa, quando minhas meninas eram pequenas. Logo, elas assumiram uma parte do serviço: a pintura das casquinhas. Já não mais com papel de seda colorido e sim com tinha guache. E essas ocasiões se transformavam em uma festa. Hoje, as mamães não fazem mais casquinhas coloridas, nem cestinhas de papel de seda. Elas vão ao supermercado e compram um ovo de chocolate. E pronto!
Mas que a páscoa tinha um outro sabor, lá isso tinha!

domingo, 8 de março de 2009

Mulher sofre...


Estou há uma semana tentando resolver o problema de um controle de um aparelho de ar condicionado que parou de funcionar. Já fui cinco vezes até a loja e continuo sem o controle e sem poder ligar o aparelho. Fora as ligações telefônicas, mais de quatro vezes só hoje. Ora o técnico saiu, ora não pode atender, “mas, fique tranquila que ele vai ligar para a senhora”. E eu me tranquilizei. Tanto que, quando me dei conta, o dia tinha terminado e não restava mais nada a fazer.
Agora, pensando aqui com meus botões, a ficha caiu: é claro que isso acontece porque eu sou mulher. Com certeza, se fosse um homem, o tratamento seria outro. Acho que um homem não se sujeitaria a isso. Ele já teria “quebrado o pau”, por telefone ou pessoalmente. E as pessoas sabem disso. Então, os abusos sobram para nós, mulheres. Tenho visto muito disso por aí. Aliás, tenho sido alvo constante dessas diferenças. Posso citar vários exemplos: um dono de empresa de comunicação visual que segura o pagamento de comissões de serviços, outro que paga abaixo do combinado, um prestador de serviço que faz o trabalho pela metade, e por aí afora.

É sério, gente! Tão sério que às vezes penso que o melhor seria contratar um homem para cuidar de tudo para mim e, por extensão, me defender da discriminação. É claro que tem as exceções. E elas lavam a alma da gente. E servem para indicar que nem tudo está perdido. Que ainda é possível construir um mundo de maior respeito para com as mulheres. Para o bem delas. E dos homens também.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Legal é ser ilegal


Precisei ir ao cartório ontem e, não fosse a urgência do documento a ser autenticado, teria voltado embora da porta. O estabelecimento estava lotado. Para minha surpresa, o número da senha não correspondia com o movimento e quase que imediatamente fui atendida. O amigo que me acompanhava comentou que as pessoas estavam ali por outros motivos, provavelmente para regularizar escrituras. “É a crise”, disse ele, e ainda fez uma brincadeira: “acabei de ver um senhor que estava até branco com o documento nas mãos, decerto que pensando que agora não tem mais jeito, a posse já está mudando de mãos”.
Mas não é esse era sobre isso que eu queria falar e sim de que um dia desses um amigo precisava fazer uma procuração em nome de seu pai, que estava hospitalizado, transferindo poderes para que o filho fizesse uma transação comercial. Fui com ele ao cartório, que exigia, para fazer o documento, a assinatura de três testemunhas e um atestado médico confirmando a capacidade mental do doente, além de uma cópia de seus documentos, incluindo a certidão de casamento.
De posse desses papéis, um funcionário do cartório iria até o hospital, não para pegar uma assinatura, porque o doente estava incapacitado para tal, e sim para fazer uma confirmação in loco. Obviamente que isso não poderia ser feito na mesma tarde, porque teria que agendar a ida ao hospital para o dia seguinte.
Enquanto se agilizava as providências para o tal procedimento, inclusive o arrolamento de testemunhas, o meu amigo descobriu um outro caminho que resolveu seu problema com muito mais agilidade. Alguém lhe indicou uma pessoa que por R$ 300,00 obteve o documento que ele precisava naquele mesmo dia.
Eu vi a natureza da procuração e não havia nada de lesivo nela, era simplesmente uma autorização para movimentar uma carga. Mas fiquei sabendo que, por um pouco mais, meu amigo poderia ter conseguido uma procuração com plenos poderes.
Então, é assim que as coisas funcionam: a legalidade é só para uns, para quem insiste em trilhar o caminho do certo, do correto. Para quem não quer se desviar da rota da moralidade. E esse caminho é burocrático, repleto de exigências a serem cumpridas. Já o outro não. Desde que se pague o preço, portas se abrem, assinaturas são concedidas, documentos deixam de ser necessários e tudo fica “legal”.
Nada extraordinário, num país onde as leis são descumpridas por decreto e a corrupção e a impunidade são marcas registradas da sociedade. Um país onde as pessoas se envergonham de se declarar honestas. Um país onde ter vergonha na cara é sinônimo de caretice.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

O peso da cor


Tenho uma amiga que está tentando seguir carreira no mundo da moda. Ela é bonita, corpo enxuto, desfila superbem, porém é morena. Esse “porém” está lhe criando uma dificuldade medonha para entrar no mercado. Preconceito velado? Não. Preconceito declarado. “Você é muito morena”, disseram-lhe. Com todas as letras. E ninguém ficou vermelho ao dizer isso.
Essa história não aconteceu na Alemanha, nem na Itália, nem na Áustria. Foi aqui no Brasil mesmo, um país que tem na miscigenação um aspecto tão peculiar de sua cultura. Um país onde, desde a época colonial, se misturam brancos, índios e negros, originando tipos étnicos como caboclos, mulatos, mamelucos e cafuzos. Tipos que não estão só nas páginas dos livros de história. Tipos que estão na ruas, que são nossos vizinhos, nossos colegas, nossos parentes. Tipos que são, na verdade, quase a metade da população brasileira.
É lamentável, mas o preconceito racial ainda é uma coisa tão forte que assusta. “Só eu sei o que passei por conta de ser negro”, contou-me um amigo que sente na pele, até hoje, o peso da cor. E eu, branca que sou, me surpreendo. E penso que a elevação moral da sociedade é tão lenta que permite fomentar a crença de que a matriz racial torna alguns seres superiores aos outros. E isso me entristece. E me faz concluir que Hitler não morreu. Um pedacinho dele reina no coração de muitos de nós.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Só pra FIFA ver


Passei cedo pela avenida, em direção ao centro da cidade, e... Que grata surpresa! A avenida estava repleta de policiais. Em cada esquina, dois, três, quatro policiais, às vezes acompanhados de um carro, às vezes, de uma moto. “Ufa – pensei – até enfim os nossos apelos foram ouvidos. Pelo jeito, está começando hoje uma cruzada contra a violência em Cuiabá. E já não era sem tempo”. Fiquei imaginando a cara das pessoas que não estavam vendo essa cena quando eu contasse para elas. Vi seus risos. E me vi rindo. Junto com elas. Mas, a sensação durou pouco. Quando retornei, as faixas na rua me acordaram. Do sonho. O policiamento não era para nós, cidadãos cuiabanos. Os policiais não estavam ali para proteger a mim. Nem a você. Nem aos nossos filhos. Eles estavam ali de enfeite. Foram recrutados para ornamentar a rua. Para impressionar os técnicos da equipe FIFA/CBF que vieram verificar as condições de Cuiabá ser subsede da Copa de 2014. E talvez eles se surpreendam. Como eu me surpreendi. Mas, se eu tivesse chance, lhes diria, bem ao pé do ouvido: “voltem amanhã, ou depois, ou um dia qualquer. Para ver a Cuiabá real. A Cuiabá que não tem um policial na rua. A Cuiabá que nunca tem efetivo para combater o crime. A Cuiabá com a qual a gente convive com a violência. Todo dia”.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Chuva de Papel


Não tem quando a gente tá caminhando e alguém vem e enfia na sua frente um panfleto de propaganda, muitas vezes com você levando o maior susto? Ou quando você está parado no sinaleiro, vidro aberto, e vem uma mocinha e praticamente joga prá dentro do carro um monte de papel? Pois é, não sei se você já observou, mas eles, os entregadores de papel, jamais te dão um único folheto. Eles distribuem aos pares. Por um único motivo, imagino eu: cumprir a tarefa gastando a metade do tempo. Então, você já experimentou recusar? Pois é, sabia que a gente pode recusar? Afinal, receber um folheto ou não é uma opção sua. Pessoas certinhas como nós, que costumam fazer tudo direitinho, ficam constrangidas de rejeitar a oferta. E mais: ficam com pena dos entregadores, como se eles fossem alvo da caridade alheia. Por isso, nessa hora, pense que eles estão ali desenvolvendo um trabalho e vão ser pagos por isso. É um trabalho como qualquer outro. Então, que tal exercitar já esse seu direito? E vá além: desfrute da sensação de liberdade que este ato vai te proporcionar.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A maratona do diploma


Você conclui o curso superior, participa da formatura e daí vai embora com o diploma embaixo do braço, certo? Errado. Você conclui o curso superior, participa da formatura e daí a pegar o diploma é uma outra história.
Acompanhei bem de pertinho quando minha filha, meses depois de formada, foi buscar seu diploma na universidade. Eu disse buscar? Acho que seria melhor dizer “iniciar os procedimentos para pegar o diploma”.
A história começou num tal casarão, onde forneceram uma requisição e uma guia a ser paga no banco. A bem da verdade, tratava-se de uma cópia muito mal tirada de uma guia de pagamento, com o valor a ser pago preenchido a caneta(!).
Quitado o documento, ela – e eu junto – voltou ao casarão, onde lhe mandaram à biblioteca para bater um carimbo na requisição. Isso foi executado facilmente por um servidor. Da biblioteca, disseram-lhe para ir à CAE (Coordenação de Administração Escolar). No balcão de recepção, o atendente estava muito ocupado fazendo uma colagem numa folha de papel e, obviamente, precisávamos entender que ele não tinha como nos atender. Para nossa sorte, um outro rapaz, acomodado em uma mesa próxima, olhou para nós e, levantando o queixo assim como quem diz: “o que foi?”, nos animou a pedir-lhe ajuda.
– É sobre o diploma...
E ele nem deixou continuar:
– Diploma é lá – disse, indicando com o dedo para a frente, deixando-nos em dúvida quanto a em qual das portas entrar. Optamos pelo mais óbvio e seguimos um pequeno corredor orlado de prateleiras contendo muita papelada antiga.
Os dois homens que atendiam ali – um deles de meia-idade e o outro um pouco mais velho – combinavam com aquele ambiente meio cheirando a mofo. Um deles discutia com uma mulher porque ela não tinha a certidão de nascimento.
– Eu tenho Carteira de Identidade, CPF e Carteira de Motorista, o que dispensa apresentar a certidão – disse ela sem perder o bom-humor.
– Aqui precisa – explodiu o homem, num acesso de raiva. Nem por isso a mulher se incomodou e disse que voltaria, então, outra hora, trazendo a certidão de nascimento.
Minha filha apresentou os documentos, inclusive uma cópia da certidão de nascimento, e não demorou muito para que o outro homem lhe devolvesse a papelada dentro de uma pasta, com a recomendação de que entregasse tudo lá no Casarão.
Voltamos, então, ao Casarão, onde o atendente deu uma rápida olhada na pasta e, no computador, emitiu um recibo, que foi entregue junto com a observação: – Dentro de 60 a 90 dias pode procurar o diploma aqui.
Gente, pensei eu, ainda vai levar mais 90 dias para o diploma ficar pronto! E não tem como a gente não se perguntar: não seria obrigação da universidade liberar o diploma do aluno quando ele se forma? Não faz sentido voltar lá, pagar uma taxa, fazer uma maratona, aguentar o mau-humor de servidores descontentes e ainda ter aguardar um monte de tempo para estar com o diploma em mãos.
Mas, pensando bem, se fizesse dessa forma, como justificar a presença de todo esse povo que está lá batendo carimbo, exigindo certidões de nascimento, passando documento de mão em mão? E, decerto que tem mais valor um documento que leva 90 dias para ser feito.

PS: passados mais ou menos 30 dias da apresentação dos documentos, ligaram em casa avisando que estava faltando um documento: o título de eleitor. E agora, como será que fica o prazo de entrega? 60, 90 ou 120 dias?

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Socorro! A blitz levou o carro!



Parei na blitz e... o documento do carro estava vencido. O tenente não perdoou. “Só o tenente pode liberar”, insistia o soldado ou sei-lá-que-cargo tinha o policial responsável pelo preenchimento da guia de apreensão. De volta ao tenente e engolindo a vontade de mandar o cara prender ladrão, começando pelo meu bairro que tá “assim ó” de assalto, mais uma tentativa: “manera aí tenente, o carro tá cheio de serviço pra entregar”. E ele bem tranquilo, cheio de bons modos: “tem jeito não, se liberar o seu, tem que liberar os outros também”. E o carro foi embora com o guincho. E era sexta-feira, final de tarde. Pela frente, um longo fim de semana sem carro e um problemão para resolver na segunda-feira. Aliás, precisou de toda a manhã de segunda para pegar a guia da licença/ficar na fila para pagar/pegar a guia do guincho/ficar na fila para pagar/tirar cópia dos documentos/esperar o sistema baixar a licença/tirar cópia da licença/esperar o sistema baixar o pagamento do guincho/aguardar a liberação do veículo/procurar o veículo no pátio/retirar o veículo. Ufa! Apesar da raiva, uma lição: em 2009, vou pagar a licença que vence em setembro já no mês de janeiro.