Precisei ir ao cartório ontem e, não fosse
a urgência do documento a ser autenticado, teria voltado embora da porta. O estabelecimento
estava lotado. Para minha surpresa, o número da senha não correspondia com o
movimento e quase que imediatamente fui atendida. O amigo que me acompanhava
comentou que as pessoas estavam ali por outros motivos, provavelmente para
regularizar escrituras. “É a crise”, disse ele, e ainda fez uma brincadeira:
“acabei de ver um senhor que estava até branco com o documento nas mãos,
decerto que pensando que agora não tem mais jeito, a posse já está mudando de
mãos”.
Mas não é esse era sobre isso que eu
queria falar e sim de que um dia desses um amigo precisava fazer uma procuração
em nome de seu pai, que estava hospitalizado, transferindo poderes para que o
filho fizesse uma transação comercial. Fui com ele ao cartório, que exigia,
para fazer o documento, a assinatura de três testemunhas e um atestado médico
confirmando a capacidade mental do doente, além de uma cópia de seus
documentos, incluindo a certidão de casamento.
De posse desses papéis, um funcionário do
cartório iria até o hospital, não para pegar uma assinatura, porque o doente
estava incapacitado para tal, e sim para fazer uma confirmação in loco. Obviamente
que isso não poderia ser feito na mesma tarde, porque teria que agendar a ida
ao hospital para o dia seguinte.
Enquanto se agilizava as providências para
o tal procedimento, inclusive o arrolamento de testemunhas, o meu amigo descobriu
um outro caminho que resolveu seu problema com muito mais agilidade. Alguém lhe
indicou uma pessoa que por R$ 300,00 obteve o documento que ele precisava
naquele mesmo dia.
Eu vi a natureza da procuração e não havia
nada de lesivo nela, era simplesmente uma autorização para movimentar uma
carga. Mas fiquei sabendo que, por um pouco mais, meu amigo poderia ter conseguido
uma procuração com plenos poderes.
Então, é assim que as coisas funcionam: a
legalidade é só para uns, para quem insiste em trilhar o caminho do certo, do
correto. Para quem não quer se desviar da rota da moralidade. E esse caminho é
burocrático, repleto de exigências a serem cumpridas. Já o outro não. Desde que
se pague o preço, portas se abrem, assinaturas são concedidas, documentos
deixam de ser necessários e tudo fica “legal”.
Nada extraordinário, num país onde as leis
são descumpridas por decreto e a corrupção e a impunidade são marcas
registradas da sociedade. Um país onde as pessoas se envergonham de se declarar
honestas. Um país onde ter vergonha na cara é sinônimo de caretice.
"Um país onde ter vergonha na cara é sinônimo de caretice."
ResponderExcluirExcelente!
Parabéns pelo texto!
Vivaaa!!!
ResponderExcluirPalmas para o nosso país SUPER LEGAL!